segunda-feira, 11 de maio de 2015


Renata Bernis, à dir., trabalhou em Serra Leoa (Arquivo Pessoal)
A África Ocidental tem vivido um momento mais tranquilo do que no ano passado, quando a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou que o surto de Ebola na região era uma emergência sanitária internacional. Porém, a situação ainda exige mobilização das organizações internacionais de saúde.

Há um ano, o continente africano passava pela pior epidemia desde a descoberta do vírus, em 1976. O surto iniciou na Guiné e logo se propagou para Serra Leoa e Libéria, países vizinhos.

Nações de todo o mundo se preocuparam em evitar que o vírus chegasse às suas terras. Poucos casos foram diagnosticados em outros continentes, geralmente de profissionais da saúde, que haviam tido contato anterior com contaminados na África.

Combate permanece

O Comitê de Emergência da Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou no dia 10 de abril que a doença continua sendo motivo de preocupação internacional até que chegue à marca zero na região. Em 09 de maio, após 42 dias sem novos casos, foi anunciado o fim da epidemia na Libéria.

Os procedimentos de controle e segurança devem continuar em vigor em Serra Leoa e principalmente na Guiné, onde a população ainda segue resistente em relação às instruções de saúde.

Fredi Diaz Quijano, epidemiologista e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, concorda com a necessidade de manter a monitorização. “Eu acho que o pico, a maior quantidade de casos observados em 2014, já passou. Mas falta controlar mais ainda. Porque é uma doença muito grave e mesmo tendo poucos casos é um problema internacional de saúde bem importante”, conclui.

No dia 10 de abril, os Médicos Sem Fronteiras (MSF) também divulgaram um comunicado no site oficial brasileiro em que enfatizam que a manutenção de um sistema de vigilância robusto permanece sendo vital para os países afetados.

Segundo a organização, todos os recursos disponíveis precisam ser enviados para investigação de casos suspeitos e resposta rápida, garantindo que a cadeia de transmissão seja rompida o quanto antes. “A emergência não acabou e ainda não é o momento de declarar a vitória”.

Contágio e transmissão 

Quijano explica que o contágio costuma ser mais efetivo entre a população africana por motivos culturais. “Durante os rituais fúnebres, eles não enterram rapidamente os corpos. As pessoas tocam os mortos”.

A única forma de adquirir a doença é o contato direto com o sangue e as secreções dos infectados. Mesmo que seja de uma vítima que veio a falecer, pois o vírus fica encubado no corpo por alguns dias após a morte.

O epidemiologista também cita os enfermos que ocultam a doença devido ao medo do isolamento, do afastamento da família e da estigmatização sofrida na comunidade. Isso dificulta o diagnóstico e consequentemente o tratamento, que mesmo paliativo pode ser decisivo na cura do indivíduo.

Mas algo foi diferencial para que o surto tenha tomado maiores dimensões no ano anterior. “Dessa vez, aconteceu numa região da África que é mais populosa do que as outras. Existem mais aglomerados urbanos e muitas estradas. É fácil as pessoas se movimentarem de uma cidade para outra. Isso facilita a dispersão do vírus”, esclarece Marcelo Burattini, infectologista e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Tratamento e possível vacina 

Apesar dos primeiros casos de infectados datarem quase quarenta anos, houve pouco progresso no desenvolvimento de uma vacina para a prevenção ou de um remédio que cure efetivamente o Ebola.

Os tratamentos continuam envolvendo medidas de suporte na tentativa de manter o paciente vivo enquanto a doença se manifesta. Hidratá-lo, tratar as infecções e manter os níveis de oxigênio e pressão arterial é fundamental.

Quanto à vacina, alguns ensaios têm sido desenvolvidos após o ápice da epidemia. Quijano e Burattini acreditam que é provável que ela venha a ser adotada nos próximos anos, mas ainda sem datas concretas.

Sobre as causas para a demora da conclusão desses projetos, ambos comentam sobre a falta de interesse de alguns cientistas. “Era uma doença exótica, que acontecia em pequenas comunidades do interior da África Equatorial. Então o esforço para desenvolver a vacina existia de algumas comunidades científicas, mas era limitado. Essa foi primeira vez em que o Ebola foi reconhecido como uma emergência internacional de saúde”, elucida Burattini.

Médicos Sem Fronteiras

Antes mesmo do surto ser oficialmente declarado, a organização humanitária internacional dos Médicos Sem Fronteiras (MSF) já havia enviado profissionais de diversas áreas para o tratamento médico e psicológico das pessoas infectadas.

Com experiência no tratamento de pacientes com Ebola, a organização montou seis centros de tratamento: dois na Guiné, dois na Libéria e dois em Serra Leoa, ao longo dos sete primeiros meses da epidemia.

A psicóloga Ionara Rabelo esteve em um centro localizado na cidade de Monróvia, capital da Libéria, e atuou como coordenadora da equipe de saúde mental entre janeiro e fevereiro de 2015. “É uma situação diferente da do ano passado, quando a gente tinha centenas de pessoas com Ebola e dezenas delas morrendo por dia. O que a gente encontra agora ainda é um sistema de saúde caótico, a maior parte das unidades de saúde fechou. Então as pessoas não têm onde procurar qualquer atendimento, mesmo básico”, relata.

O objetivo do tratamento psicológico é estender o apoio desde o paciente até suas famílias. A comunidade em geral também é trabalhada, para que haja maior conscientização sobre as maneiras de prevenir o vírus e de erradicar o preconceito sofrido pelos sobreviventes.

Em relação aos que superaram a doença, Ionara conta como a falta de informação coletiva pode prejudicá-los. “Para quem sobreviveu é terrível. É como se ele ainda pudesse contaminar, porque ninguém quer chegar perto dele, ninguém quer conversar. E isso vai agravar o isolamento dessa pessoa e cada vez vai ser mais difícil de retomar suas atividades diárias e a motivação para viver”.

Desafio emocional

Também enviada para um centro de tratamento, a psicóloga Renata Bernis foi para a cidade de Freetown, capital de Serra Leoa, no início deste ano. Assim como sua colega, ela notou poucos pacientes em relação ao ano passado.

A rotina desses profissionais é repleta de tensões, e uma delas é conviver com a morte diariamente. “É lógico que essas mortes súbitas deixam um sentimento muito ruim no final, mas isso é o desafio também. É você estar oferecendo suporte, ajuda, e não poder se envolver na dor do outro. Sendo que isso às vezes é impossível”, explica Renata, que já esteve anteriormente até mesmo em regiões de conflito armado.

É claro que também ocorrem finais felizes nessas jornadas. A história que mais marcou a psicóloga em Serra Leoa foi a de um bebê de apenas 18 meses que sobreviveu após ter sido desenganado. “Dar essa informação para a mãe foi muito bonito. Eu realmente fiquei muito emocionada. Essa pra mim foi a maior gratificação. E isso não tem preço”, comemora.


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